sexta-feira, maio 26

A ética dançou junto com a deputada?

(entrevista com Delamar José Volpato*)

Blog: No caso recente da deputada Ângela Guadagnin, que dançou no plenário da Câmara. Não há no Código de Ética e Decoro Parlamentar uma proibição explícita à dança. Como interpretar a censura que lhe foi aplicada, pela Câmara e de certo modo pela sociedade em geral?

Delamar: Boa parte das normas jurídicas está indeterminada. Você tem poucas normas determinadas, por exemplo o limite de velocidade.


Se você tomar o conceito de pudor no Direito, tem crimes que são de atentado ao pudor, mas o que é pudor? É um conceito indeterminado, porque se você fica pelado numa praia x de Florianópolis não é pudor, mas se você ficar no centro da cidade da mesma forma, aí é atentado ao pudor.

E o conceito, no caso do decoro parlamentar, é indeterminado, pois são fatos que vão sendo incluídos ou excluídos.

Justamente por isso os códigos de ética são aplicados por comissões, nunca por uma pessoas só. Numa aplicação coletiva, abre-se uma espaço maior para democratizar aquele conceito e o que a sociedade reflete, podendo haver discordâncias.

E tendo a preocupação de detectar na sociedade o que é emocional segundo o contexto, pois ela muda conforme o tempo. E nesse ponto a mídia tem um papel de potencialização da informação.

No caso da deputada, se não tivesse uma câmera filmando na sessão, teriam sido 7 ou 8 pessoas que vissem esse fato, e talvez não causasse a comoção na sociedade.

* Professor de Ética e Chefe do Departamento de Filosofia da UFSC, Florianópolis.

E a deputada dançou


...não, 193, não, 194, não, 195...

A seqüência traduz a contagem, na Câmara dos Deputados, dos votos contrários à cassação do mandato do deputado João Magno (PT-MG), acusado de ter recebido "
recursos não contabilizados" de Marcos Valério.

Assim que os votos superaram o número necessário à absolvição, a deputada Ângela Moraes Guadagnin (PT-SP) deixou o lugar onde estava sentada e saiu
dançando, para comemorar a absolvição do companheiro de partido.

A reação da imprensa foi imediata. Noblat comentou

"A dança de Ângela em plenário dá uma medida da absoluta falta de vergonha que contaminou a Câmara dos Deputados. Dos 19 mensaleiros apontados pelas CPIs dos Correios e da Compra de Votos, 11 escaparam da condenação - 4 porque renunciaram e poderão ser candidatos este ano, 7 porque foram absolvidos.

Estes são tempos de deplorável frouxidão moral e de degradação dos costumes políticos do país".

As imagens, feitas na madrugada de 23 de março, circularam freneticamente via e-mail, nos blogs e jornais on line. Charges, piadas, até filme com as imagens da deputada dançando, o "funk da impunidade".

A deputada foi afastada do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e "censurada verbalmente" pela Mesa Diretora da Câmara, que considerou a "dança" em desacordo com a função de um parlamentar.
Imagem aqui.

quarta-feira, maio 24

A propósito do sigilo e da privacidade


(Entrevista com Delamar Volpato*)

Blog: Professor, no caso do imbróglio do caseiro, o que dizer do direito à privacidade, do sigilo das fontes?

Delamar: Se você tem uma sociedade onde privacidade é um valor, ela tem que estar disposta a abrir mão de uma certa quantidade de bem estar que poderia ter, em nome da defesa desse valor.

Nesse ponto tem que se pesar se queremos ainda defender um valor da liberdade, no caso ligado à privacidade, e perder uma quantidade de bem estar em razão disso ou diminuir esse valor. Tem várias questões que são conectadas.

Tem uma decisão [da Justiça dos EUA], por exemplo, sobre sigilo de confissão. Ela é relativa a um caso onde uma pessoa confessou assassinar outra ao padre. Soube-se disso e houve uma ação judicial obrigando o sacerdote a dizer quem seria a pessoa.

No fim ele foi obrigado pela ação [da Justiça] a dizer, porque o valor do sigilo é menor do que a vida de alguém. O problema dessa decisão é que, se a regra for essa, o sujeito não vai dizer mais. Na verdade a decisão só se torna eficaz naquele caso, não havendo próximo caso [assassinos não confessarão mais]. Então há uma espécie de contradição na decisão.

No caso do jornalista, há várias hipóteses na sociedade que são assim, onde se tem um peso de um certo valor na sociedade, e esse valor, para ser realizado, implica num custo no bem estar da coletividade.

No âmbito criminal é muito comum isso, quando se tem um procedimento complicado para condenar alguém. Então quando se tem um crime estagnado você usa um tal procedimento para condenar mais depressa.

Só que nesse momento se está perdendo uma garantia que se tem contra o Estado, em nome de uma quantidade maior de bem estar na sociedade, até certo ponto momentâneo, porque em determinado crime se acerta, mas depois em quantos você vai errar? Pode errar inclusive em relação a você.

*Chefe do Departamento de Filosofia da UFSC

O caseiro falou a verdade. E o jornalista?


Quem violara o sigilo bancário do caseiro? Quem fora a fonte de Época?

À primeira pergunta se buscou uma resposta imediata. A Policia Federal concluiu que o sigilo foi violado na Caixa Econômica Federal. E que o Presidente da Caixa, Jorge Mattoso, entregou pessoalmente o extrato do caseiro ao ex-mnistro Antonio Palocci Filho. Mattoso e Palocci caíram.

Da fonte de Época não se comentou, até que Diogo Mainardi denunciou na Veja (ed. 29/mar):

"quem difundiu o extrato bancário do caseiro foi o assessor de imprensa de Palocci, Marcelo Netto. Desde a semana passada, todos os jornalistas sabiam disso. Mas nenhum se animou a denunciá-lo. Marcelo Netto é jornalista. E jornalistas não denunciam jornalistas. (...)

Um dos filhos de Marcelo Netto, Matheus Leitão, é repórter da Época. O chefe da sucursal da revista em Brasília, Gustavo Krieger, mandou-o correr atrás do material sobre o caseiro. Ele correu. E a Época o
publicou".

Marcelo Netto foi indiciado pela Polícia Federal pelo crime de quebra de sigilo. O jornalista, todavia, negou participação na quebra e divulgação dos dados bancários do caseiro Francenildo.
Imagem aqui.

O caseiro que criou caso


Francenildo dos Santos Costa, 24, cuidava da casa nº 25, no Lago Sul, em Brasília.

Dia 15 de março, Francenildo depôs na Polícia Federal e acusou Palocci de freqüentar o endereço, conhecido em Brasília como "
a casa do lobby”. O Ministro da Fazenda costumava aparecer na casa "quinta-feira sim, quinta-feira não", durante oito meses, entre 2003 e o início de 2004.

"Tenho conhecimento de que era ele [Palocci] porque eu ia atrás para ver quem era. Eles falavam: - Ó, o chefe vai chegar tal dia", afirmou
Francenildo.

O troco foi imediato. Dia 17, às 18:45:02, o BlogBrasil, da revista Época, publicou o seguinte:

Época teve acesso a um conjunto de extratos de uma conta poupança na Caixa Econômica Federal em nome dele. A conta, de número 1048-8, fica na agência do Lago Sul (...). Segundo estes extratos, desde o início do ano, a conta recebeu depósitos de R$ 38.860,00. Todos foram registrados como 'depósitos em dinheiro'.

Francenildo reconheceu os depósitos. De acordo com o caseiro, eles foram resultado de uma doação familiar. (...) o pai mandou R$ 25 mil. (...) O empresário Euripedes Soares confirmou à Época que fez os depósitos, mas negou que seja pai do rapaz. 'O sobrenome dele é muito diferente do meu para eu ser pai dele', disse. Ele afirma que só vai explicar o motivo do depósito 'depois de falar com um advogado'.

O post da Época incendiou a rede. O blog do Noblat repercutiu a notícia e vários comentários de leitores davam como certo que o caseiro havia sido pago para testemunhar contra Palocci.

“Alguém ainda tem alguma dúvida que esse caseiro recebeu dinheiro para dar aquela entrevista? Como disse anteriormente: pobre também mente. Principalmente por dinheiro. Só o tucaNoblat não quer enxergar. Enviado por: Síndico.” Ou,

“Ele pode realmente ter visto o Palocci entrar naquela mansão. Mas com certeza não abriu o bico por amor de verdade. Ele vem sendo retribuído e treinado há meses para fazer a bomba estourar na hora certa. Nunca vi uma pessoa tão humilde se expor tanto chegando a dizer 'Confirmo até morrer'. Enviado por: Sérgio Reis”.

Era evidente que Época tivera acesso a dados sigilosos. Era evidente também que o sigilo bancário do caseiro fora violado e que alguém traficara a informação até Época. E o caseiro, falara a verdade?
Imagem aqui.

A opinião do secretário de turismo de Governador Celso Ramos

Carlos Wilson Campos*

Blog:
Sobre a matéria veiculada no Diário Catarinense, contando ataque de farristas ao helicóptero da polícia em Governador Celso Ramos, você chegou apurar o fato?

Campos: Eu sou testemunha ocular do fato, pois moro próximo do local. Na hora do ocorrido eu percebi que os fogos não foram direcionados ao helicóptero, que fazia rondas na altura da praça de Governador Celso Ramos. Os fogos foram atirados no canal da Olaria. O helicóptero quando percebeu os fogos foi em direção e coincidiu que eles ainda estavam atirando, mas sem propósito. Pelo menos num primeiro momento. Então acabaram lançando na direção do helicóptero.

Blog: Você concorda com o método de ação da polícia?

Campos: Eu não concordo de querer fiscalizar da maneira que foi, com elementos armados numa comunidade que se sabe ordeira. Nós temos índices de criminalidade praticamente zero, sem problemas com polícia ou com a justiça. Então não tem o porquê desse monitoramento de helicóptero de homens armados.

Blog: Ester Coelho, delegada da central de polícia de Florianópolis afirmou em entrevista aos alunos de Jornalismo da Faculdade Estácio de Sá, que “políticos, entre eles prefeitos e vereadores, incentivam a farra, dando dinheiro aos farristas na compra do boi” e que por isso se tornaria mais difícil coibir a prática. Qual sua opinião sobre essa afirmação?

Campos: Assim como as pessoas, os políticos também podem participar da farra-do-boi.

*Secretário Municipal de Turismo de Governador Celso Ramos

A imprensa catarina e a farra

(Cacau Menezes, DC,16/abr/06)
"E o boizinho que morre sem ver a luz do sol, esse ninguém tenta proteger? Ou a galinha que não sabe o que é noite? Para matar um boi, primeiro se dá um disparo na testa com uma pistola de ar comprimido. O tiro deixa o animal desacordado por alguns minutos. Ele, então, é erguido por uma pata traseira e tem a garganta cortada.
Tem que ser sangrado vivo, para que o sangue seja bombeado para fora do corpo, evitando a proliferação de microorganismos. Só que a maioria não conhece este sistema de abate de animais fora dos abatedouros. (...)
Os porcos têm destino semelhante: o atordoamento é feito com um choque elétrico na cabeça e ele é jogado num tanque de água fervendo, para facilitar a retirada dos pêlos. É pendurado de cabeça para baixo e sangrado pelo pescoço no sentido vertical ainda vivo. A morte é lenta e agonizante.
As galinhas são presas numa esteira rolante que passa sob um eletrodo. O choque desacorda a ave e, em seguida, uma lâmina corta o seu pescoço. (...)
Por isso, meu amigo, ao ler carta de algum haole criticando Santa Catarina por causa da condenada farra do boi, saiba que, a não ser que seja um vegetariano, você está diante de um hipócrita cínico, desinformado e preconceituoso. Passe longe!"
Na época própria (a Semana Santa), a farra-do-boi invade os jornais impressos, os telejornais, os programas populares da tevê e do rádio. São comuns as manifestações de pessoas de outros estados, de turistas que à epoca visitam Santa Catarina, contra a farra e na defesa dos animais.
De uma forma geral, o catarinense se sente diminuído e acuado em relação às críticas, fundamentadas invariavelmente no dever que os humanos têm de zelar pelo bem estar dos animais e/ou no direito dos animais, conforme a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da Unesco.
O exemplo acima, extraído da coluna que o jornalista Cacau Menezes, do Diário Catarinense, é uma tentativa de justificar a prática, de mostrar que a crítica é hipócrita, interessada e despropositada.
Muitas ONGs se engajaram no combate à farra e a internet tem sido uma ferramenta eficaz na popularização dos argumentos contrários à prática, através de e-mails (spans), vídeos, fotos, artigos, livros, etc. E assim, os defensores dos animais vêm conseguindo mobilizar a opinião pública contra a farra.

terça-feira, maio 23

A farra-do-boi para a polícia


A delegada Ester Coelho, da Central de Polícia de Florianópolis, esteve na noite de ontem na Faculdade Estácio de Sá. Entre as perguntas feitas pelos alunos de Jornalismo, a farra-do-boi disse 'presente'.

Ester Coelho chefiou um grupo da Polícia Civil - o grupo fox - encarregado de investigar fatos ligados à farra-do-boi em municípios da grande Florianópolis.

A delegada culpou os políticos, prefeitos e vereadores, que estimulam a prática da farra, contribuindo financeiramente para a sua realização. "Assim fica difícil impedir ", concluiu Ester Coelho.

Sempre é bom lembrar que a farra-do-boi é proíbida no Brasil. Em 1997, o Supremo Tribunal Federal, no acórdão da Ação Civil Pública nº 023.89.030082-0, decidiu que a farra-do-boi é crime punível com até um ano de prisão para quem pratica, colabora, ou, no caso das autoridades, se nada fazem para impedir o 'folguedo'.

Imagem aqui.

segunda-feira, maio 22

Farra x ética


(entrevista Delamar Volpato*)

Blog: Admitindo a farra-do-boi como um problema cultural, a sua proibição está baseada em uma determinada moral que não admite essa prática, ou em uma obrigação ética de condená-la?

Delamar: A cultura de um povo é o critério último do que é correto ou não? Por esse critério, você teria que aceitar por exemplo, a desigualdade entre homens e mulheres no islamismo, porque é cultural, ou teria que aceitar determinada cultura, inclusive, hipoteticamente, sacrifícios de crianças, porque isso algum dia aconteceu.

Então a cultura tem uma dimensão importante, mas não deve ser o critério último, portanto deveria se ter uma espécie de crítica da cultura. Essa tarefa não é fácil, porque não se sabe de conseguimos sair de uma cultura para se chegar num tipo de posição universal.

O discurso dos Direitos Humanos, que se pretende ser universal, talvez ele também seja o reflexo de uma cultura (européia, ocidental). Mas a filosofia tem essa pretensão de construir uma fundamentação dos juízos morais, que pudesse ser aceita por todos. E o discurso dos direitos humanos é baseado um pouco nessa idéia.

Então o caso da farra-do-boi é saber se os animais são, não propriamente portadores dos nossos direitos, mas se são objetos dos nossos direitos, porque é difícil falar que os animais têm direitos, porque não têm a faculdade de assumir deveres.

Podemos perguntar se eles são objetos dos nossos deveres, porque os nossos deveres se aplicam a vários objetos, se aplicam a nós próprios. Por exemplo, nós devemos não nos mutilarmos. Você pode pensar que tem o dever de não matar outro ser humano, de preservar o meio ambiente, de não matar animais, de não fazê-los sofrer.

Porque os que defendem a farra-do-boi detectam uma espécie de hipocrisia na posição dos que são contra, pois estes acham normal comer churrasco no final de semana, mas acham absurdo que se corra atrás do boi durante a semana santa.

Na verdade, tem o princípio de hermenêutica que se você permite o mais, deveria permitir o menos. Então se você permite que se mate, que é o mais, então deveria permitir o sofrer, que seria menos. É uma questão problemática. Por essa questão de fundo que hoje se discute bastante.

Blog: É, então, uma questão ética?

Delamar: Se você for considerar a literatura, está se tornando uma questão ética. São questões que a sociedade considera relevantes. Por exemplo, o uso de energia nuclear há 50 anos. Depois que surgiu, essa tecnologia se tornou um problema, da mesma forma que transplante de órgãos, eutanásia.

É o âmbito da ação humana - um dos objetos da ética. Na verdade, os costumes são as ações humanas, e algumas você considera moralmente relevantes e outras não.

Blog: Pode-se afirmar que o indivíduo se vale mais dos costumes para guiar suas ações rotineiras?

Delamar: Por exemplo, as sociedades do litoral de Florianópolis aceitam a farra do boi por ser uma moral vigente para eles. As pessoas agem segundo os costumes que elas herdaram, que prevalecem na sociedade em geral.

Blog: Isso quer dizer que os valores éticos não estão cristalizados?

Delamar: Nesse sentido há um déficit entre aquilo que as teorias éticas estabelecem e aquilo que se efetiva. Você tem que observar se é um déficit motivacional, que as pessoas não se motivam a agir daquele modo, tendo bons motivos que não a moral.

Haveria um déficit de eficácia - a moral no sentido formal não dispõe de meios coativos para se impor. E é justamente nesse ponto que a moral faz ligação com o direito. Por exemplo, um movimento social muitas vezes começa como um movimento ético ou moral, e o objetivo dele é transformar aquela conduta pretendida numa norma jurídica, porque daí ela vai se tornar coativa.

Mas justamente quando ela se torna norma moral, ela também perde aquela dimensão de movimento efetivo na sociedade, e se terá mais uma lei que vai ser cobrada juridicamente ou não.

O direito é mais eficiente hoje em dia do que a moral. Pois a moral é muito mais do dever ser do que âmbito daquilo que é eficaz. E é difícil mudar costumes estabelecidos, arraigados na sociedade. É difícil não só porque aquilo já é o modo de vida da própria pessoa, como as teorias morais não prestam uma segurança completa sobre quais normas seriam corretas e quais seriam equivocadas.

* Chefe do Departamento de Filosofia da UFSC
*
Imagem: Neri Andrade, "Farra-do-boi"

sexta-feira, maio 12

Farra-do-boi 2006

(DC,14/abr/06)

"Helicóptero é atacado por farristas
Um grupo de pessoas suspeitas de organizar a farra do boi lançou fogos de artifício ontem contra um helicóptero da Polícia Militar, no município de Governador Celso Ramos. O Grupamento Aéreo (Graer), que fazia a ronda a bordo da aeronave Águia-02, reagiu disparando munição de borracha na multidão".
Qual o poder da mídia? Até que ponto ela busca a informação real. Ou usa de pontos polêmicos para marginalizar uma cultura? Neste blog todos tem a palavra.
Mais adiante o blog entrevistará secretário de turismo dando a versão sobre o caso, mais conhecido entre os farristas como do "carro-bomba".
Foto: Amanda Alves

Cultura e polêmica fazem a farra em SC

Todo ano, durante a Semana Santa, descendentes de açorianos revivem a prática da farra-do-boi. Todavia, para a maiora das pessoas, os adeptos apenas teimam em infringir a lei.

Porque de um lado estão as organizações não-governamentais em defesa dos animais, pressionando pelo fim da "brincadeira". De outro, dezenas de grupos de farristas, lutando pela conservação de uma tradição de cerca de 250 anos, trazida pelos imigrantes da Ilha dos Açores.

A farra-do-boi no litoral de Santa Catarina não é mais vista como uma prática "santa" desde os anos 80, quando as matérias jornalísticas passaram a enquadrá-la nas editorias de violência e não mais de cultura.

"Episódios brutais de repressão policial, como a ocorrida em Ganchos em 1988, protestos e campanhas nacionais e internacionais, execução de animais, ações na Justiça, portarias e pareceres de toda ordem foram comuns no período entre 1987-1994." - segundo o antropólogo Eugênio Pascele Lacerda.

O que é a farra? Anteriormente a farra-do-boi ou boi-na-vara era tida como um folguedo, um "habitualismo" ilhéu, uma "revivescência da tourada-a-corda", praticada no Arquipélago dos Açores, baseada na taurimaquia - arte de tourear o boi (Dicionário do Folclore Brasileiro de Luís da Câmara Cascudo/1962).

quinta-feira, abril 27

Ética em quatro dedos de prosa ...


com Delamar José Volpato Dutra*

Blog: Qual a diferença entre moral e ética?

Delamar: Há vários autores que fazem distinção entre ética e moral, mas tecnicamente não tem uma diferença entre esses dois termos, porque ética vem do radical grego ethos e os latinos traduziram o termo ethos, por mores, costume. Então ética e moral será o mesmo.

Isso não significa que você não possa distinguir entre uma moral vigente numa dada sociedade e uma reflexão filosófica, que deve buscar algum tipo de fundamentação, que deveria ser válida para qualquer sociedade.

E aí você pode chamar esta atividade de fundamentação da moral, de ética, ou mesmo moral, e isso deveria ser distinguido das regras costumeiras que uma determinada sociedade tem.
A diferença entre ética e moral existe, só não sei se os termos devam ser empregados nesse sentido.

Blog: Quando Sócrates perguntou o que é o bem, ele estava inventando ou descobrindo a ética?

Delamar: O âmbito da meta-ética tenta resolver um pouco esse problema. A primeira distinção que a meta-ética faz é entre a natureza dos juízos que seriam empíricos, descritivos, da ciência, e que teriam um estatuto antológico, e a natureza das proposições morais, que não seriam dessa natureza, mas de outra.

Então o âmbito dos valores e da ética não seria o âmbito de objetos do mundo. Bom, se eles não são âmbito de objetos do mundo, então eles não são descobertos. Estaria mais inclinado a dizer que são criados [pelo sujeito].

Mas essa criação tem que ser posta nos seus devidos termos, porque você pode entender também que os critérios estão operantes, seja na sociedade, seja na linguagem enquanto tal. E alguns autores vão dizer que esses critérios já estão operantes na própria racionalidade humana, que embora eles não sejam empíricos, portanto não seriam descobertos, mas sim criados.

Como eles já estariam operantes na própria racionalidade humana, também não seria uma criação do nada, como se fosse uma invenção que cada sociedade poderia fazer, seria uma estrutura própria da racionalidade ou da linguagem humana.

Blog: A ética seria então uma espécie de substrato lógico, formal?

Delamar: Essa é a pretensão, que deveria ser aceito por todos independentemente do tempo e do espaço. Nós devemos nos perguntar no particular se achamos os direitos humanos válidos só para nós. Talvez, culturalmente você pense que os direitos humanos não sejam o conteúdo, mas você não abdica da idéia de que uma norma moral, se ela é correta, deve ser válida universalmente.

Parece que o grande problema moral ou ético atualmente não seja tanto a formulação de critérios no âmbito da ética prática.

Na bio-ética, por exemplo, são quatro os critérios: da liberdade, da beneficência, da não-maleficência e da justiça. A aplicação é que se torna problemática, como o caso do aborto. Se usarmos o critério da liberdade, a mãe pode abortar; mas se usarmos da maleficência ou da justiça, quem sabe você não possa permitir o aborto. Afinal, há duas correntes, a utilitária e o kantismo. E nós, às vezes, resolvemos questões nesses princípios, nesses critérios.
Blog: Mas nós resolvemos questões morais.

Delamar: Nós temos que resolver, na verdade mesmo que você, moralmente, eticamente, não resolva a questão do aborto, o Supremo [Supremo Tribunal Federal] terá que resolver. Então essas questões não ficam esperando no limbo.
E assim elas vão se fundamentando, como o processo de escravidão, por exemplo. Se você pensar que Aristóteles admitiu que existia o escravo por natureza, então dá pra pensar que haja uma espécie de evolução moral. Essa evolução moral é inclusive confirmada pela psicologia do desenvolvimento moral, na linha do Piaget. O correto poderia ser aquilo que é universal e que vale independentemente da sua cultura.

Kant achava que você não deveria mentir nunca e o Benjamin Constant, liberal do século XVIII, dizia que a gente deveria mentir pra salvar a vida de alguém.

* Chefe do Departamento de Filosofia da UFSC
Foto: Vitor Santos

Flagrante de falta de ética


Flagrante: do Lat. flagrante, chamejante, adj. 2 gén., ardente; evidente, manifesto, patente; dado ou praticado no próprio momento em que se é surpreendido; s. m., Brasil, ação flagrante; loc. adv., em -: no momento em que se praticou o ato.

Falta: do Lat. fallita fallere, enganar, s. f., ato ou efeito de faltar; escassez; carência; defeito; erro; pecado; culpa; engano; descuido; calúnia.

Ética: do Lat. Ethica, Gr. Ethiké,s. f., ciência da moral;moral;Filos.,disciplina filosófica que tem por objeto de estudo os julgamentos de valor na medida em que estes se relacionam com a distinção entre o bem e o mal.

Imagem aqui.
Fonte: Dicionário Universal